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Quase me esqueci

  • Foto do escritor: Carolina Germana
    Carolina Germana
  • 2 de mai. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 26 de mai. de 2020



Que bonito é este som. E eu quase me esqueci.


Viana hoje chora. As suas lágrimas escorrem pela janela, numa melodia sincronizada com o teclado que se faz ouvir junto a ela.


Que mundo é este que parou para nos lembrar.


Que vida é esta que levamos sem parar.


Quase me esqueci.


De olhar pela janela. Do som do piano. Do calor do abraço. Do conforto do sofá.


De unir o cheiro da brisa do mar ao som das ondas a rebentar na areia.


Quase me esqueci de escrever.


Que mundo é este que parou para nos lembrar.


Que é preciso respirar. Para ver. Para sentir. Para ser.


Que nos fez ir buscar memórias, para relembrar que naquele dia, fomos felizes ali.


Quase me esqueci. Da importância do agora, sempre a pensar no futuro.


Foi preciso quase me esquecer para me lembrar que a vida não mete pausa para concluirmos etapas e passarmos às seguintes. É uma história contínua, feita de escolhas e momentos do ontem e do hoje.

Foi preciso quase me esquecer para me lembrar que posso parar e ser eu. Neste conforto e segurança das minhas quatro paredes, me redescobri. Do eu no meio das outras que sou nas diferentes vertentes da minha essência.


Foi preciso quase me esquecer que o “viver um dia de cada vez” não tem planos, ambições ou vontades. É certo que só com eles conseguimos ver concluídos os nossos sonhos, mas teremos de repensar na forma de os atingir. Teremos de nos dar tempo e espaço para lutar e parar. Reequilibrar. Recomeçar. Permitir voltar a ser para conquistar.


Viana chora. E ouve-se chorar.


Vai ser preciso agora quase me esquecer.


Para voltar a ir longe.

Para voltar a abraçar sem medo.

Parar voltar a chorar no ombro e a rir de mão dada.

Para voltar a dançar sob música alta, entre encontrões e rodopios.

Para voltar a dar gargalhadas e brindar rodeada de amigos.


Não me quero esquecer porque choro eu. Que meti pausa na vida que estava tão focada em construir. Sempre em busca de tudo, a querer tudo, tão cheia de tudo. E agora, despida de planos, choro do ali onde fui feliz, do mundo ter de parar para me lembrar de mim, do amanhã vazio que apenas se escreve, no hoje de amanhã.


Não me quero esquecer porque chora o mundo. Que viu as suas ruas atoladas de gentes, serviu de modelo a infinitos paparazzi, que estava inundado de garrafas, de óleos e demais despejos. Que viu a casa dos seus seres ser destruída, as suas riquezas a serem decapitadas e exploradas. Porque o mundo também ele, parado, despido e vazio das gentes, voltou a ser Terra.


Quero-me poder esquecer para poder abraçar lá fora. Mas não me quero esquecer de olhar a janela e de ouvir a chuva cair, sem planos para o dia de amanhã.

 

Diário de uma pandemia 01.05.2020

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