Meu amor pequenino
- Carolina Germana
- 15 de nov. de 2024
- 5 min de leitura

Meu amor pequenino,
Hoje escrevo-te para recordar. Recordar um tempo em que fomos só nós os três, que brevemente deixará de existir. Recordar dois anos mágicos da nossa vida, que ficou mais completa, mais alegre e tão cheia de amor, que não cabe em palavras, depois chegares até nós. Recordar dois anos da tua vida como filho único, dos quais não te lembrarás. Mas nós sim. Para dizer-te que fomos tão felizes, filho. Contigo. Que tu foste tão feliz!
Desde que vieste a este mundo, todos os dias, sem exceção, tu foste a luz, a razão do meu sorriso e orgulho. Foste o amor infinito que dói no peito. Foste arco-íris em dias sombrios. Foste alegria contagiante.
Vivemos os três muitas mudanças. Vários desafios. E conquistámos todas as transformações que nos foram sendo apresentadas. Muito por ti. Tanto por ti.
Cresceste no meio da natureza, de pé descalço, a ouvir o som do vento bater nas folhas de grandes árvores, de passarinhos a chilrear na chegada da primavera, de flores silvestres de cores variadas. A dar bom dia aos cavalos e a partilhar brinquedos com o Simba. Cresceste devagarinho, a teu tempo. Sem exigências. Sem pressa. Vivi-te assim, com calma. Apreciando-te e observando-te, na tua própria liberdade de ser.
Cresceste a explorar o meio que te rodeia, sem cancelas ou prisões. Cresceste livre e solto, cauteloso e atento. Cresceste feliz, simpático e meigo. Cresceste doce, a acariciar e a mimar todos os que te rodeiam. De sorriso fácil. De braços abertos.
Recordo o brincar. Um brincar evolutivo, de complexidade crescente. Do início de uma troca de olhares, para um diálogo de palrares. De ver figuras a preto e branco, cores a folhear livros. De te ler infinitas histórias, contigo sempre atento, curioso, observador. Do tempo no tapete, de chão, a aprender a circular, rolar, rebolar, rastejar e gatinhar. A ver-te explorar e superar desafios, sorrindo-te de orgulho. A bola no buraco. A argola no tubo. O encaixe do primeiro puzzle.
Recordo os primeiros passos, aqueles que te levaram mais tarde a correr. Recordo os tropeções e as cicatrizes, de quedas menos felizes. Todas, curadas com beijinho. "Já tá", dizes tu, esquecendo as lágrimas de imediato.
Recordo a tua vontade em participar ativamente em todos os afazeres domésticos, desde a limpeza das janelas ainda nem andavas, a ajeitar os lençóis da cama quando te começaste a pôr de pé. A ajudares com a vassoura e pá, limpar tudo. A tirar e pôr loiça da máquina, a fazer as tuas papas.
Recordo as caminhadas às cavalitas para irmos todos apanhar laranjas para o pequeno almoço de domingo. Tirar nêsperas da nespereira e recolher dióspiros.
Recordo os nossos passeios, contigo aninhado no pano, mais tarde no marsúpio, depois lado a lado, de mão pequenina entrelaçada na minha, por entre as vinhas e para ir ver os cavalos. Das idas à praia, do primeiro pé na areia e mão cheia de grãos. Do levantar de pernas no toque com a relva, até correres nela.
Recordo as tardes passadas a jogarmos a bola ao Simba. Da tua gargalhada de entusiasmo, a correres atrás dele, ainda trapalhão. A levares um ou outro empurrão, que te deitava ao chão.
Recordo a tua casinha feita de cartão, com porta e janela, debaixo da escada de caracol. Porta essa onde entravas de gatas e mais tarde te agaixavas para caber nela.
Recordo a Ana. Que te acolheu, abraçou e amou como se fosse seu neto. De ficares aninhada ao seu colo no cadeirão, de ouvires as suas cantigas, dos passeios pela quinta. Do acenar em despedida, até novo dia.
Recordo a onda de amor que surgiu à tua volta, de todos os nossos familiares e amigos. De cada colo, sorriso, abraço que te deram. Da mais pura felicidade dos bisa ao te sentir entrar por sua casa. Do papagaio louro e do bolo de iogurte. Dos olhares apaixonados dos teus avós, e do entusiasmo dos teus tios.
Recordo a evolução na tua comunicação. Do apontar, ao compreender tudo o que dizíamos. Ao seguir instruções simples, a cada vez mais complexas. Às tuas expressões várias.
Recordo as tuas primeiras palavras: nana, ba, papai, mamãe, vu,... E as tantas outras que entretanto surgem, como pipocas, a cada semana que passa. Do olhar tímido quando (ainda) não consegues dizer o que queres, ao sorriso alegre que me derrete de cada vez que te consegues expressar por palavras, pela tua voz. No tom mais doce e querido alguma vez ouvido.
Recordo as noites. Desde as mais difíceis às que me davam a mim conforto e aconchego. A todas as que dormiste aninhado a nós, todos os pontapés que levámos no nariz. Noites onde aprendi tanto sobre auto-regulação, sobre calma e paciência. Onde aprendi a parar, respirar e disfrutar. De ti. Do teu desligar. Do teu mimo, do teu toque, das tuas carícias. Onde aprendi a deixar que me guiasses, que me levasses contigo ao mundo dos teus sonhos, ao teu jeito.
De embalo em embalo te vi crescer no meu colo. Esse mesmo que foi teu desde o dia em que nasceste, onde dormiste sestas mil. Colo esse que procuras e para onde vais quando precisas de regulação e segurança, de aconchego e carinho. Dei-te todo o que podia, sempre que podia. Sem nunca duvidar que esse era e continuará a ser o teu lugar. Continuarei a fazê-lo, sempre. Em breve apenas, partilhado.
Dei-te tudo de mim, tiveste-me toda para ti. Como mais ninguém terá. E agora está a chegar a hora. De me transformar de novo. De nos transformarmos de novo. De te transformares connosco. Acolhendo, abraçando, aceitando aquela que será mais uma aventura. A tua maior aventura. Porque ter um irmão vai ser das mais valiosas relações que terás. E eu, como mãe, sinto um orgulho, gratidão e poder imensos por sermos capazes de vos proporcionar esta benção que é terem-se um ao outro, para a vida.
É verdade que hoje, ainda que quase quase a ter o teu irmão nos braços, a ideia de te deixar de te ter como filho único, é difícil de assimilar. Deixar de te ver como bebé pequenino que és. Ter mais um ser à minha responsabilidade, mais um ser a quem dar o amor que te dou a ti. Que sinto por ti. Como assim?
Vou acreditar no que me dizem as mulheres mães à minha volta. Só posso. Para acalmar coração, para preparar o coração. Dizem que sim, que é possível amar, mais ainda. E por isso hoje escrevo-te a ti para recordar. E escrevo para mim, num certo luto do que foi, do quanto foi, sermos só nós os três. Para me abrir à chegada de mais um, que nos fará a todos viver, mais. Ser mais. Amar mais. Recordar, mais.
Meu amor pequenino,
Sei que em breve deixarás de me parecer. Tão pequenino assim, digo.
Tenho-te abraçado todos os dias, para tentar não me esquecer de como te sinto nos meus braços. Para te sentir como único, só estas últimas vezes. Tenho-te dado todo o colo que posso, mesmo com mais um pouco de esforço, nesta reta final. Porque quero-te sempre aqui. Sempre assim. Na minha memória. Pequenino, no meu colo.
E é com lágrimas que termino. Lágrimas de saudade, nostalgia, ansiedade, receio.. de entusiasmo, esperança, fé, serenidade, gratidão...
Lágrimas cheias, do tanto que foi e do tanto que está por vir.
Como é? Preparada? Preparado? Preparados?
Vamos?
Vamos. Meu amor. Vamos.
Criar mais memórias, para recordar, a quatro.
P.s.: a mãe ama-te infinitamente muito!
CroniCalinas 15/11/2024
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