top of page

Debaixo de lua cheia

  • Foto do escritor: Carolina Germana
    Carolina Germana
  • 22 de jul. de 2021
  • 3 min de leitura


É noite de lua cheia e estou sentada na minha nova varanda de vestido de alças, envolta numa manta pelo fresco que se faz sentir nesta noite de verão. São nove e meia da noite e fico a ver o céu escurecer, com a silhueta das montanhas que me circundam iluminada por esta perfeita bola de luz. O seu reflexo na água da piscina traz a paz até mim e o único som que oiço à minha volta é a cantiga de insetos vários por entre o arvoredo.


Que loucura têm sido os últimos meses, que não me têm deixado parar. Curioso como voltamos todos ao corre-corre que em tempos nos prometemos não deixar que nos consumisse outra vez. Tenho sentido dificuldade em voltar às rotinas. Aquelas que sei que me trazem a tranquilidade que preciso para estar de bem comigo e com os que me rodeiam. Por outro lado, não é mal que me sinto. Não estou triste. Não estou zangada. Não tenho estado sequer ansiosa. Estou onde quero estar, com quem quero estar. Mas sinto-me como se tivesse um escudo de metal em meu redor que não me deixa sentir. Que me põe a correr a toda a velocidade e sem medo contra todas as flechas que me são lançadas, sem que nada me possa magoar. Ou parar. Fechei-me nele para ser capaz de agir e reagir.


Estou apática, a deixar que o tempo corra à minha frente sem o conseguir agarrar. Tudo acontece, mas nada se fica em mim. Estou em modo frenético e se paro dez minutos, adormeço em segundos, tal é o cansaço do corpo, que anda pesado e tenso. E da mente, que só se cala quando dorme.


Hoje parei, aqui. Sentada na rua, debaixo de luar. E pus-me a pensar nas minhas mudanças. De cidade, de local de trabalho, de pessoas, de vida. A pensar nas minhas férias que já lá foram e que me souberam a pouco. Estive a pensar nos últimos seis meses e nos desafios que o destino me colocou à prova. E estive a pensar em mim. E no porquê de estar a sentir-me numa constante montanha russa com loops intermináveis e a tentar caminhar rumo a um equilíbrio que se desequilibra de cada vez que me sinto já estável.


E têm sido, de facto, algumas mudanças. Depois de estudar medicina no Porto de 2010 a 2016, o meu primeiro ano de trabalho em 2017 foi em Santarém, onde fiz o meu internato geral no Hospital Distrital de Santarém. Em 2018 mudei-me para Viana do Castelo onde comecei o meu internato em Pediatria na Unidade Local de Saúde do Alto Minho. Em 2020 mudei-me para a segunda casa em Viana do Castelo, onde me isolei com o A. no primeiro ano de pandemia. Em janeiro de 2021 foi o Porto novamente o meu destino, onde comecei os estágios dos últimos dois anos de internato no Centro Materno-Infantil do Norte. Em março, o A. arranja trabalho em Sintra, para começar em junho. Meia cambalhota às nossas vidas e decidimos mudar-nos para Bucelas, em Loures, e viver num T0 integrado na Quinta do Boição, quinta onde vivem os meus avós e onde iniciámos o projeto familiar de turismo rural um mês antes do rebentar da pandemia, em fevereiro de 2020. Foi só no início deste mês de julho que me juntei ao A. neste nosso novo espaço, e que comecei a trabalhar no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.


Pelo meio disto tudo, foram muitos os desafios pessoais e profissionais que foram surgindo. Em particular neste último ano e meio, com a pandemia, lesões ósseas e musculares, meses de fisioterapia, um casamento adiado de 2020 para 2021, perda de entes queridos, rotinas de trabalho que se alteram a cada 3 meses, lidar com diferentes equipas e colegas e, por fim, muito tempo em doações, transportes e arrumações. Sinto que esgotei o espaço que tinha para que coubesse mais sentimento e desliguei. Preciso de esvaziar e recomeçar.


E acho que estou pronta.


Anseio fazer deste meu novo canto um regresso a casa. E aos poucos acredito que o vá sentir como meu. Quero prometer-me que me vou encher de paciência para me dar o tempo necessário para voltar às rotinas que me acalmam e me orientam. Que na tranquilidade das minhas varandas, estejam elas onde estiverem, no país ou no mundo, volte a refletir e a me abraçar.


E aqui estou eu. A agradecer por esta nova varanda, que me dá uma nova paisagem debaixo de lua cheia, substituindo o mar pela vinha e a gaivota pela andorinha, e onde volto a mim outra vez.


Olá de novo. A ti. A mim.

 

Diário de uma pandemia 22.07.2021

 
 
 

Comments


  • linkedin
  • instagram

©2020 por CróniCalinas. Por Wix.com

bottom of page