17 de abril: um brinde aos noivos
- Carolina Germana
- 19 de abr. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 26 de mai. de 2020

Era quarta-feira, dia 17 de abril de 2019. Saímos os dois de Viana do Castelo, em direção ao Porto. O A. ia começar as suas primeiras férias desde que tinha começado a trabalhar, um ano antes. Aproveitámos a Páscoa para tirar esses dias e ir até Lisboa, para estar com a família e amigos.
Chovia a potes.
Era dia de jogo do FCP. Fui buscar o A. às 18h ao trabalho e seguimos em direção ao estádio do dragão, onde o deixei.
O jogo acabou e o Porto perdeu. E já sei que quando o Porto perde, o A. fica triste e eu não posso falar muito.
Fui buscá-lo ao estacionamento do shopping, mas meti-me em tal alhada, que nos estávamos a ver a ficar lá horas até sair, pelo que decidimos estacionar e jantar MacDonald ali mesmo.
Depois de jantar e da enchente se ter dissipado, conseguimos finalmente ir ter com os amigos do A., com quem ele tinha combinado encontrar-se para que lhe fosse entregue o convite de casamento do T., que se realizaria daí a 2 meses. O A. foi buscar o convite, enquanto eu aguardei calmamente a ouvir rádio no carro, porque chovia a potes lá fora.
Quando o A. voltou ao carro, mostra-me o convite, já estava ele todo contente e já tinha quase esquecido o jogo. Depois desafiou-me: - "Vamos tomar um copo! Vamos tomar um copo, que hoje é o meu primeiro dia de férias".
Como já disse. Chovia a potes.
Mas eu, que não gosto de perder uma e porque achei que ele também merecia esse festejo, lá disse que sim. E lá fomos, conversando e cantando as músicas da rádio pelo caminho.
Ao chegar à baixa do Porto, ele estaciona o carro na descida que dá de frente para a Sé Catedral. Não estava a perceber.
- "Vamos dar um passeio à ponte", diz ele.
Aí então é que não percebi mesmo. Achei que tinha ficado louco. Quem é esta pessoa estranha que acabou de perder um jogo do porto, quer ir beber um copo numa noite de chuva e ainda quer parar para passear na ponte D. Luís? Não conheço.
Mas eu na minha inocência pensei: ele está tão feliz por estar finalmente de férias, que quer mesmo festejar e está-lhe a apetecer fazer algo diferente. E eu, que estou sempre pronta para passeios, aproveitei aquele andamento.
A verdade é que a noite, apesar de chuvosa, estava até agradável e não estava aquela nevoeiro denso típico do Porto em dias como este.
Chovia menos quando decidimos sair do carro, mas mesmo assim mereceu um guarda-chuva aberto para nos abrigar aos dois. Lá fomos, passeando de guarda-chuva, à conversa, em direção à ponte.
Parámos mais ou menos a meio para ver a vista. Que vista. Este nosso Porto surpreende em dias de sol e em dias de chuva. Que noite bonita aquela, apesar de não se ver lua nem estrelas, abafadas pelas nuvens densas lá no alto. O Douro pintado das luzes refletidas do cais de Gaia e da Ribeira, com as suas gôndolas estacionadas nas bermas e as gaivotas a sobrevoá-lo. Estava tão luminoso como se de uma noite de céu aberto se tratasse. E nós a observar ao som das gotas a cair no nosso toldo.
E nisto, não sei ao certo como começou a conversa. Sei que a propósito do convite de casamento do T. e da P., comecei eu a pensar que tinha de arranjar um vestido de festa. Era o primeiro casamento de amigos a que íamos. E estava eu a debater a dificuldade que ia ser arranjar um vestido e ter de ir às compras, que não é bem a minha praia.
Até que o A. se aproveita e muito bem do tema.
- "Seria pior se tivesses de comprar o teu".
Eu fiquei confusa com aquela questão. Nem percebi. Mas como assim comprar o meu?
Sem resposta, continuei a olhar para ele com ar duvidoso.
- "Sim, o teu vestido de casamento".
Eis que do bolso do casaco, onde estavam as suas mãos desde que ali tinha chegado, sai um anel. Um anel. O quê????
- "Queres casar comigo?".
O quê???
Comecei-me a rir. Que reação é esta que tenho quando fico nervosa. Não parava de rir. E ele sorria para mim de anel na mão.
Já nem sei em que ponto no tempo é que respondi que "SIM". Mas sei que pensei que a ser verdade, que fosse feito com tudo a que tem direito.
- "A., tens ter de te pôr de joelhos"
- "A sério?"
- "Sim, tem de ser"
Lá o meu A. pôs o seu joelho no chão molhado, em plena ponte D. Luís, debaixo de chuva, com uma vista incrível sob o Douro, sob o nosso Porto, que aos dois acolheu tão bem quando saímos de casa dos nossos pais e da nossa ilha aos 18 anos.
E acho que foi aí que disse "SIM".
E entre sorrisos e um abraço apertado, o anel. O anel dourado com uma pedra azul de safira, outrora oferecido pelo seu avô à sua mãe, que encaixou na perfeição quando colocado.
Era quase meia-noite. O A. queria que fosse no dia 17. Dia em que começámos também a namorar com os nossos 15 anos, 12 anos antes. E só aí percebi a pressa de ter de sair do shopping, a correia a jantar, a visita rápida aos amigos, o tomar um copo à baixa e por fim o passeio na ponte.
Escusado será dizer que já não fomos tomar copo nenhum para a baixa.
No dia seguinte, almoçámos na Mealhada um delicioso leitão acompanhado de espumante, eu de anel no dedo, e um brinde aos noivos. Depois, paragem em Fátima e estava um dia de sol e céu azul, depois daquele dia chuvoso do dia anterior. E seguimos viagem para Lisboa.
Entretanto, um ano se passou.
E hoje é sexta feira, dia 17 de abril de 2020.
Não sabemos se vai haver casamento na data marcada.
Vivemos historia, ao atravessamos uma pandemia sem precedentes nos últimos 100 anos.
Estamos em Viana longe de amigos ou familiares há mais tempo do que alguma vez estivemos na vida.
O A. está em teletrabalho há mais de um mês; eu estou a fazer urgências dia sim/dia não num hospital que virou do avesso.
Não há passeios, não há escapadinha de fim-de-semana, não há convívio, não há jantar fora nem uma caipirinha na baixa do Porto.
Hoje é sexta feira, dia 17 de abril de 2020.
Estamos os dois na nossa casa há mais de 30 dias seguidos.
Já chorámos, brigámos, rimos, demos gargalhadas, vimos séries, vimos filmes, lemos livros, ouvimos música, dançámos, fizemos desporto e jogámos PlayStation.
Já reunimos com amigos por videochamada, bebemos vinho e comemos pizza.
Já vimos chuva e sol. Já vimos pores do sol com um copo de gin na mão.
Hoje é sexta feira, dia 17 de abril de 2020.
Estou sentada junto à janela para poder apanhar os raios de sol que me aquecem cá dentro, porque lá fora sopra um vento frio e forte. Bebo uma super bock, a olhar o mar e a ouvir o meu piano. O A. joga fifa no sofá, também com a sua super bock a acompanhar.
Hoje temos o abraço um do outro e um brinde com um copo de vinho ao jantar.
Diário de uma pandemia 17.04.2020
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