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Pé na areia

  • Foto do escritor: Carolina Germana
    Carolina Germana
  • 5 de abr. de 2023
  • 4 min de leitura

São duas e meia da tarde. Deito-me na espreguiçadeira de casa e aproveito o sol enquanto os meus dois rapazes dormem a sesta da tarde. Trinco uma maçã fresca a olhar o céu azul, cerrando os olhos pela claridade. Passo os olhos pelas fotografias da última vez que tínhamos estado no Porto Santo e deparo-me com uma de barrigona a saltar fora do bikini verde. Hoje estou a usar o mesmo, desfilando o meu corpo pós parto. E ainda que não inteiramente satisfeita, estou finalmente a começar a sentir-me novamente confortável nele, quase seis meses depois de dar à luz.


Tento apanhar uma cor mais saudável nesta pele invernal. E que melhor sítio para me deixar dourar que o Porto Santo? Protejo as cicatrizes e as estrias com um protetor de máxima cobertura. Uso a cueca de cintura subida na tentativa de fazer parecer o fundo da barriga, ainda algo distendido e com gordura em excesso, um pouco mais elegante. Tenho cuidado com a cara, que ficou cheia de manchas do acne acentuado que se agravou na gravidez. Estas sequelas são tramadas. Perdoem-me se pareço estar a sobrevalorizar esta vertente de mim. Mas o que para o outro não é relevante, para nós que sofremos a mudança, é um abalo importante na nossa auto-estima.


Mas apesar das marcas que ficaram no meu corpo pela alteração hormonal, extensão física e reorganização orgânica para fazer criar vida dentro de mim e, por fim, da cirurgia que me trouxe o meu filho ao mundo, a verdade é que me sinto aos poucos mais confiante nele, aceitando-o como meu.


Até há pouco tempo, não via fotografias da gravidez. Não foi uma fase que tivesse adorado, como algumas mulheres relatam. Mas agora estou a conseguir olhá-las com ternura. E ao ver-me retratada nelas, sorrio admirando a transformação que o nosso corpo sofre até ao parto e nos meses que o seguem.


Mágico. No mínimo.


Estou a sentir o sol queimar. Ponho o chapéu branco na cabeça, na tentativa de impedir uma insolação no couro cabeludo, já habitual nestas primeiras exposições solares. Os meninos continuam a dormir.


Estávamos a precisar desta pausa. Desta mudança de ares. Desta viragem de página. Estávamos a precisar da primavera, para nos trazer um pouco de calor, de paz e tranquilidade. De esperança. Trazer o nosso filho até à ilha dourada era o passo que precisávamos de dar para estarmos realmente em família, fora da correria dos dias que nos parecem todos iguais nos primeiros meses de vida de um bebé e nos primeiros meses como pais de primeira viagem.


Pousou os pés na areia como se de lá tivesse nascido. O nosso M.. Gostou logo da sensação de os enterrar no quentinho e rapidamente levou as mãos ao areal para obter a mesma sensação. Sem que tivéssemos tempo para impedir o que obviamente se sucederia, já estava uma mão cheia de areia na boca.


Rimos.


Deitámo-lo para poder explorar à sua vontade. Levantava a areia e enchia a roupa e a cara de milhares de pequenos grãos. Guinchos fizeram-se ouvir pela praia fora, não se abstendo de pronunciar o seu entusiasmo. A verdade é que já ali tinha estado, enterrado dentro da minha barriga, há poucos meses atrás. Era a única forma que tinha de me deitar de barriga para baixo. Fazer um buraco e lá me enfiar.


Os dias têm estado ventosos, a brisa é fresca e o mar ainda custa a entrar, apesar do céu azul e o calor à sombra nos fazer esquecer que ainda estamos no início do mês de abril. Por este motivo, tem sido difícil estar na praia tanto quanto gostaria, a deixá-lo chapinhar nas águas salgadas deste mar e a brincar com os grãos de areia. Mas não nos tem impedido de o deixar de calção e de pé sem meia, de o levar a ver as ondas rebentar, e de o fazer sentir o cheiro da maresia que corre pelo vento. Não trocávamos estes dias por nada.


Este foi o lugar onde nos conhecemos. Eu e o A.. Onde vivemos tanto da nossa adolescência e início da vida adulta. Temos tantas memórias de cada canto desta ilha. Enche-nos a alma poder trazer o nosso filho pela primeira vez até aqui, ainda que a rotina seja agora outra e a logística de ir dar um mergulho "rápido" apenas de toalha debaixo do braço, seja tudo menos rápido e bem mais complexa, exigindo uma série de outros e demais apetrechos.


Olho para o meu peito. Já tenho marca do bronze deste bocadinho de sol que a sesta me permitiu usufruir.


E que bem me está a saber este bocado de tempo e espaço para mim.


Oh! Ouvem-se uns burburinhos. Está a acordar. Vou rapidamente até ao berço e está a sorrir, divertido a agarrar os pés.


Dormiu (mais) uma boa soneca. Como não adorar os ares deste Porto, Santo?


Seguimos então o dia. Prestes a criar mais memórias de pé na areia. Agora a três.


 

Conversas de sesta 05-04-2023

 
 
 

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