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O recomeço: um internamento na pediatria

  • Foto do escritor: Carolina Germana
    Carolina Germana
  • 24 de abr. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 9 de mai. de 2024



Não fomos de ambulância, por uma questão de minutos. Não fazia questão nenhuma de estar do outro lado da barricada: mas aconteceu.


Quarto dia de chegada a casa, após o exame de fim de especialidade, o M. começou com febres altas, 40 graus de máxima, de 4 em 4 horas. Mas cedia bem a medicação, ficava bem disposto e comia bem quando baixava a febre. Não tinha mais nenhum sintoma. Segundo dia doente, as febres mantinham-se altas, tudo bem. Mas, a partir do fim de manhã, deixaram de ceder. Confirmei as doses da medicação 10 vezes. Estavam certas. Não baixava. Estava prostrado, parado, pouco reativo a estímulos. Não queira andar, não queria falar, não queria fazer nada. Mantive-o no colo, de sofá, durante horas, até decidir levá-lo à urgência. Mantinha-se sem nenhum outro sintoma. Pensei logo na hipótese de infeção urinária e recorri a um hospital particular,  na esperança que fosse apenas necessário colher uma urina, ser diagnosticado, ser medicado  e enviado para casa. 


Quando lá cheguei, arrependi-me imediatamente. Pele marmoreada e ar cinzento, doente, imaginei o pior dos cenários. Ao exame físico, nada detetado. Colhe analises de sangue e tem parâmetros de infeção bacteriana elevados. Colhe uma urina por algaliacão e vem sem alteração, ficando uma amostra para cultura em laboratório (de urina e de sangue). Fez radiografia de tórax, nenhuma alteração. Foi assumida uma infeção bacteriana presumida no sangue, e seguimos para o Hospital de Santa Maria, após uma toma de antibiótico pela veia.


O A. deixou-nos na urgência de pediatria. Tinha estado um ano a trabalhar neste hospital, neste serviço. Conhecia bem todos os membros da equipa e eles a mim. De qualquer forma, aguardei a nossa chamada na sala de espera, para a triagem, levando comigo a carta de transferência do hospital particular, que já tinha comunicado previamente com o Santa Maria para o M. ficar internado. Chamados à triagem, a enfermeira A. olhou logo para mim: 


- "Dra Carolina, o que está aqui a fazer? Venha já lá para dentro comigo. Quer alguma coisa? Já comeu?". 


Eram 22h. Fomos vistos novamente por uma colega e foram tratadas as burocracias para subirmos ao piso 9, da infeciologia pediátrica. Como já tinha sido tudo previamente comunicado, foi relativamente rápido. Subimos ao piso e instalamo-nos no nosso quarto. Tivemos sorte. Na infeciologia pediatrica, a maioria dos quartos são individuais, com casa de banho privativa. Quando me apercebi do quarto que íamos ficar, tive um deja vu. Em 2021, quando estive três meses neste piso, a trabalhar nesta unidade precisamente, esteve ali internado, naquele quarto, o B. O B. era o mais novo de 9 irmãos, tinha menos de um ano. Era açoreano. Tinham vindo de São Miguel, ele e a sua mãe, com um diagnóstico de uma meningite. Esteve ali 3 semanas internado. Olhei para o cadeirão que me esperava, onde ia dormir por tempo indeterminado. O mesmo cadeirão onde dormia a mãe do B., a quem eu, a certa altura, arranjei dois colchões cambalhota que trouxe de casa, para emprestar àquela mãe, para que pudesse dormir melhor junto ao berço onde estava o seu filho doente. 


A vida dá muitas voltas. 


Era eu, agora. A dormir naquele cadeirão, junto ao berço de grades de ferro barulhentas, onde tentava descansar o meu filho doente.


Fomos bem tratados e orientados. A equipa médica conhecia-me bem. Mas as condições físicas de um hospital público são o que são. Não se dorme obviamente bem naquele cadeirão, nem o M. dormiu bem naquele berço. Esteve mais tempo a descansar no meu colo, que outra coisa. Nos primeiros dias, a febre mantinha-se difícil de baixar. Passava três horas com febres altas, duas sem. Mas tranquilizava-me o momento em que finalmente baixava a temperatura. Ficava mais bem disposto, sempre sorridente, a meter-se com os enfermeiros e auxiliares que vinham prestar-lhe cuidados. Acenava e mandava beijinhos a todos. O meu bebé pequenino. 


Vê-lo sofrer com cada picada para ter acessos, a cada administração de antibiótico que lhe faziam contorcer e gritar de dor, vê-lo emagrecer por recusar em alimentar-se fosse do que fosse e a dificuldade em pôr-lhe um soro na veia, a ficar pálido, olheirento. Foi de partir o coração em bocadinhos pequeninos, ao mesmo tempo que tinha de estar firme, forte, segura e cheia de esperança de que tudo se ia orientar e que ele ia ficar bem. Não soltei um lágrima que fosse durante os quatro dias que ali estivemos. Estava em modo automático de cuidados. Queria apenas dar-lhe o colo e o mimo que precisava de mim e, sempre que possível, brincar o máximo que fosse capaz. Lemos muitas histórias , brincou na salinha de atividades, com a boneca, a mota, os legos. Fez os seus rabiscos. Lemos mais histórias. Adora livros. O pai pode estar presente sempre que lhe foi possível. Entre trabalho, ir a casa buscar-nos mantimentos e roupas para os dias seguintes e a preocupação inerente a nós que lá permaneciamos no hospital, também não lhe foi fácil. Tivemos a ajuda e os mimos preciosos da avó S., a visita do avô A., da amiga C. e da "nana", que trouxe pepino, que ele adora, e um peluche sapo que motivou cantigas infinitas do "sapo não lava o pé". 


As primeiras 48h foram as mais difíceis, sem saber propriamente o que estaria por trás desta situação clínica, com os piores cenários imagináveis a passarem-me pela cabeça - o conhecimento traz também essa desvantagem. Mas eis que, 48h depois, cresce uma bactéria na urina que estava em cultura. Era essa a origem deste quadro. 


No quarto e último dia de internamento, estivemos a aguardar o okay para ir embora, que dependia unicamente do facto do M. tolerar o antibiótico pela boca e não o deitasse fora. Era crucial e indispensável que cumprisse mais cinco dias de tratamento em casa, sem falhas. Quis ter a certeza que conseguia. Eu dar. E ele tomar. 


Conseguimos, com a ajuda da enfermeira e suas técnicas infalíveis. Seguimos para casa. Atravessamos o corredor. Ele claramente percebeu que ia embora. Acenava para os enfermeiros e auxiliares, com um sorriso de orelha a orelha e a rir-se à gargalhada. Chegámos ao elevador e entrou, determinado. Tínhamos o pai à nossa espera à porta do Hospital. 


O que pareceram ser dias intermináveis tinham chegado ao fim. E já não ia ver o meu bebé sofrer mais. Outra vez. Mais uma carga de água, à chegada ao carro. Estávamos de novo em família. Alívio. Alegria. Descompressão da adrenalina acumulada destes dias todos. De voltar com o nosso bebé tratado e orientado. 


Vamos para casa.


Recomecemos, agora?


 
 
 

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