top of page

O desmame: o fim de um capítulo

  • Foto do escritor: Carolina Germana
    Carolina Germana
  • 9 de mai. de 2024
  • 10 min de leitura

Atualizado: 10 de mai. de 2024



O Miguel está em desmame. Ontem fez 18 meses e, depois de 48h sem maminha, quis outra vez. 


Dei. Na cama de casal da nossa casa no Porto Santo, ao acordar pela manhã, estava eu vestida ainda com o vestido vermelho e flores brancas que tinha usado para viajar de avião no dia anterior, dissemos os dois adeus.


Deixei-o ficar o tempo que quisesse. Na da direita, sempre a mais cheia e a sua preferida, deliciou-se. Com a sua mão pequenina, agarrada ao meu peito, a fazer as suas compressões manuais suaves ou a dar miminhos. Com o seu olhar doce a olhar no meu, profundamente. 


Olho para ele. Sorrio e agradeço. Por esta viagem que fizemos a dois. Uns olhos que inicialmente foram de um azul mar, e que se tornaram num verde esperança de diferentes tonalidades, que transmitem tanta serenidade, e que eu fiquei a conhecer como a palma da minha mão, com estes momentos tão nossos.


- "Já tá", diz ele. 

- "Mais?", digo eu.

- "Má, má", diz ele.

 

Abana com a cabeça que sim, com o seu ar de felicidade, sorrindo com vontade e levando as mãos à boca, em jeito timido. Transito este peso pesado de bebé crescido para o outro lado, aninho-o no meu corpo com a naturalidade de quem já faz disto hábito desde sempre, e agarra-se à esquerda. 


A esquerda foi sempre mais de conforto e brincadeira. Olha para mim a esboçar sorriso. Leva as mãos ao meu nariz - trrim. Leva as mãos aos meus olhos - quase que os tira fora. Fecho os olhos. Abro. Ri-se. É o nosso momento de brincar, naqueles preparos. Com ele encostado a mim, tranquilo, só só meu.


Ainda fica algum tempo ali... Será que ele sabe? 


- "Aproveita o tempo que quiseres, filho. Hoje é a nossa despedida.", digo-lhe. 


Ele, de boca ainda na maminha, abana que sim com a cabeça. Oh, meu amor...


- "Já tá.", diz ele. E senta-se no meu colo, olhando para as maminhas. 

- "Vamos dizer adeus às maminhas?", digo. 


Ficou na dúvida. Se se jogava para mais uma tentativa. Se dizia adeus. 


Disse adeus. Literalmente. Abriu e fechou a sua mãozinha pequenina, a abaná-la para a frente e para trás, de frente para mim. E disse adeus. 


Foi-me natural aquele momento. Ternurento até. Já estávamos preparados, os dois. Fomo-nos preparando ao longo das últimas semanas. Foi com tranquilidade, calma e respeito pelo tempo de cada um, que fizemos este desmame. 


Era algo que já queria há algum tempo e que não tinha tido ainda força, oportunidade e disponibilidade para o fazer.


Fi-lo numa altura boa da minha jornada da amamentação. E isso foi importante para mim. Não tinha dor, não tinha aversão, não tinha qualquer desconforto. Nos últimos meses, era algo agradável para ambos e eu estava confortável neste papel. 


Mas nem sempre foi assim. Diria até que, na maior parte da nossa história, não foi assim.

 

Em relação a ele, por volta do ano de idade, senti que a maminha era uma fonte de ansiedade. Procurava desesperadamente e sofregamente amamentar, e demorava-se muito, entre uma e outra. Numa luta às vezes consigo próprio por não conseguir descansar, ou acalmar.  


Para mim, a amamentação foi fonte de ansiedade muitas vezes, desde os primeiros dias de vida do M. Por dor em diversas fases, pelo desgaste energético, pelo cansaço, pela aversão. Vivenciei terrivelmente a aversão em alguns momentos. O querer tirá-lo à força da minha maminha, por me estar a irritar aquele momento, por não estar a ser prazeroso para mim. Cheguei a fazê-lo uma ou outra vez, levando o meu bebé a chorar desalmadamente, com medo de mim? Surpresa pela minha reação? Sei que me sentia a desmoronar nesses momentos. Como se estivesse a ser a pior pessoa deste mundo. A pior mãe à face da Terra. Enchia-de de culpa, olhava para ele, desiludida comigo, a e pedia-lhe desculpa. E voltava. Respirando fundo, olhando o teto e fechando os olhos, para ser capaz.


Tu consegues. Disse eu para mim. Tantas vezes.


Esta teimosia para com as minhas convicções foi o que nos manteve aos dois nesta jornada até agora. Mas foi à custa de muito esforço e muita energia. Que eu, profissionalmente, não recomendo a todos fazer, sem apoio devido. Pelo bem da saúde mental da mulher, da mãe. Mas não fui capaz de cumprir essas recomendações comigo mesma.

 

Mas posso dizer que estou feliz. Muito feliz por não ter desistido. E estou, acima de tudo, orgulhosa. Sinto-me poderosa, até, por ter sido capaz. Porque me trouxe maioritariamente momentos deliciosos, mágicos, que eu espero nunca vir a esquecer. Mesmo nos dias de dor, mesmo nos dias de aversão. Amamentar, para mim, foi uma prova de superação grande, sim. Mas foram, essencialmente, os momentos de maior conexão com o meu filho. Onde mais me derreti a olhar para ele. Onde mais sorrisos trocámos os dois. Onde conheci melhor os seus olhos e o seu olhar. Onde aprendi a decifrá-lo. Onde senti o seu calor, onde mais acariciei a sua pele, e onde vi todo o seu corpo crescer junto ao meu, fora de mim. 


Sentia que era ali, tantas vezes, que crescia o amor. Nos momentos que foram paz e tranquilidade e nos momentos que foram desafio e ansiedade. Nos dias que pareciam eternos e repetitivos. Nas noites em branco que passei para o sustentar e acolher. Em todos eles, cresceu amor, infinitamente. 


Terminamos esta jornada na melhor fase da nossa amamentação. E acho que só o conseguia fazer assim. Recusei-me a acabar mal. Recusei-me a acabar bruscamente. Queria fazê-lo de forma suave e tranquila. Queria perceber como e se conseguia arranjar outras formas de o acalmar, de o adormecer, de o acolher em momentos de maior ansiedade. Percebi que consigo. E, acima de tudo, percebi que ELE consegue.


Tínhamos saído de um internamento na pediatria, quando decidi que seria a altura certa para pensar nisto. Curioso, porque foi a maminha que o sustentou durante os dias que lá esteve, recusando tudo o resto. Foi a maminha que o consolou. Que foi colo, conforto e segurança. Para ambos. Foram muitas horas a amamentar. E já não estava habituada àquele ritmo. Senti novamente os mamilos a gretar, como nos primeiros dias de vida do M.. Mas, nessa semana, isso não importava nada. Estava ali de corpo e alma, dando tudo de mim ao nosso bebé.

 

Na semana seguinte, já por casa, seguimos em livre demanda. Sentia-o inseguro, com mais medo, a precisar de mais colo e mimo. Sabia que precisava de voltar a sentir que estava reintegrado na sua rotina, no seu ambiente. E eu também, precisava de tempo para processar tudo o que tínhamos vivido e para me encher de energia para conseguir ir avante com a minha vontade. Com o seu dedinho indicador a bater-me no peito e, caso eu não desse resposta imediata, com o seu olhar de baixo para cima a me procurar o olhar, dizia:

 

- "Mamã"! 


E eu nunca dizia que não ao pedido. Mas sabia que estava para breve o momento em que teria de o fazer e isso assustava-me.


Nessa semana, decidi ligar à Margarida. Precisava de ajuda para delinear um plano de ação. As dicas que me deu foram simples, mas preciosas. Como usar as palavras certas, no momento certo. Por onde começar e como. Não tinha pressa. Apenas precisava de alguma orientação e de alguém que me dissesse: "tu és capaz, e não estás a fazer nada de errado". E foi isso, acima de tudo, que me trouxe a conversa com a Margarida. Empatia, serenidade, confiança. Um empurrão que foi ao mesmo tempo colo. Exatamente o que estava a precisar. 


Foi então que, quando senti que estávamos os dois bem, comecei a pôr em prática o plano de ação que tinha na  cabeça. Sem qualquer tipo de expetativa, sem nenhuma pressa. Aos poucos, fui vendo como nos sentíamos e ajustando pormenores para avançar com um passo seguinte. Sem deadlines, sem timings definidos para nada. 


Comecei por impedir que andasse a saltitar de uma para a outra, repetidamente. Como estava a ser costume. Ia à direita e à esquerda e dizia-lhe que tinha acabado. Nas primeiras vezes, parecia confuso. Mas aceitou mais facilmente do que eu pensava. 


- "Já tá", dizia, sempre que acabava uma e outra. Descia do meu colo e ia brincar de seguida, animado. 


Passo seguinte foi a de reduzir o número de mamadas e negar-lhe algumas vezes que ele pedia. Estávamos em livre demanda e pós internamento, ainda com alguns pedidos diários. E essa foi a parte mais difícil. Começar a negar-lhe aquilo que ele queria, que eu sabia que o deixava tão feliz.. Ver lágrimas gordas a correr naqueles olhos mais doces. O beicinho que fazia, pré choro, de uma tristeza atroz. Partiu-me a alma em bocadinhos, as vezes em que isso aconteceu. 


Mas não foram muitas. Não sei se iria conseguir aguentar se fossem. Diria que não passaram de uma mão cheia de vezes. Nas primeiras, tive de o distrair ativamente com outra atividade que o interessasse. Livros, brinquedos, um passeio lá fora. Depois, já aceitava e dizia que sim com a cabeça. Seguia para a sua brincadeira. Percebia e entendia as minhas razões. Que não eram mais do que: 


- "As maminhas agora estão cansadas, vão dormir um soninho". 


Quando voltou à sua rotina, a que já era a dele durante os últimos meses, de maminha ao acordar, fim de tarde, antes de dormir e no seu despertar noturno, comecei a eliminar, uma a uma.

 

A primeira que tirei foi a do fim de dia, com a ajuda do A., ou da minha irmã, que o levava a brincar ou que o entretinha e distraia rapidamente. A seguinte foi a da manhã. Ao acordar, levantávamo-nos logo da cama, abrir estoros, com cantigas e boa disposição. Ia preparar o pequeno-almoço. Embora, por vezes, com alguma agitação e umas lágrimas pelo meio, entrou nessa nossa nova rotina rapidamente. E já não esperava outra coisa, ao fim de uns dias. 


A da noite, antes de dormir, feita habitualmente no sofá antes de o ir deitar, foi naturalmente esquecida. Foi ele que deixou de pedir. Não o neguei uma única vez. E agradeço muito por isso, porque era, para mim a mais temida. A altura do dia em que eu tinha menos disponibilidade para conseguir negar-lhe ou para conseguir ter força para arranjar distrações eficazes. E porque era a que, achava eu, ser a que ele tinha mais prazer e mais intenção de continuar por mais tempo. 


Mas fui surpreendida.


Faltava uma última mamada para terminar. Claro, a do despertar noturno. Dizer isto é, por si só, um alívio. O despertar noturno. Um despertar noturno. O M. acordou de 2 em 2 horas até ao ano de idade para maminha. Depois do ano de idade e depois dum período em que eu decidi afastar-me umas semanas e dormir noutro quarto (porque estava absolutamente exausta e atingi o meu limite), passou a regular-se um pouco mais e os despertares passaram a ser de 4 em 4 horas. Mas nunca menos que isso. Nos últimos 2 meses, talvez, passou para 1-2 despertares, no máximo. E só precisava de maminha para readormecer num deles. Esta, eu não conseguia de todo negar-lhe, nunca. Por cansaço de ambos, por não querer que ele despertasse muito. Por saber ser a que lhe dava maior tranquilidade. 


Mas, mais uma vez, surpreendendo-me neste processo. 


Foi também de forma natural, que deixou de pedir. Deixou de despertar. Foram 2 ou 3 dias, no máximo, a mamar apenas a meio da noite, até deixar de o fazer. 


No dia 23 de abril de madrugada, pensei que tinha sido a última vez. Mas ainda bem que não foi. Não nos tínhamos despedido, devidamente. Mas não insisti sem que ele me pedisse. E assim se passaram 48 horas.


Na manhã do dia 25 de abril, fazia o M. 18 meses, acordou a pedir-me maminha. Sentou-se na cama, olhou para mim, a apontar para o meu peito e a pedir-me.


-"Mamã"!


Encheu os seus olhinhos de lágrimas, mas sem chorar. E fez beicinho. O beicinho mais amoroso que existe, e que faz doer o coração. Um olhar profundo, através de mim, como que a dizer: 


- "Só mais esta, prometo". 


Olhei para ele e disse:


- "Filho, vamos despedir-nos das maminhas?"


Abana com a cabeça que sim, ainda com olhar triste. Ele sabia que seria a última vez.


- "Vem então, quido", digo. 


Felicidade. Extrema felicidade. Os olhos mudam de expressão, e vejo os seus bracinhos a se atirarem para o meu colo.  


Como custa TANTO negar-lhe isto. 


Agarro-o. Aninho-o. Neste que foi o nosso último momento. A nossa despedida. Desta jornada. Desta dança bonita, cheia de leveza e tropeções. Da montanha russa mais longa que já vivi, que tanto, tanto, tanto me deu. Que nos deu. 


O medo de não saber como consolar já se ia dissipando. Já me tinha apercebido que eu, "sozinha", era suficiente. O colo é o mesmo. O peito onde pousa a cabeça, tranquilo, o mesmo. Os abraços, as palavras, o tom de voz. Os beijinhos. O mimo. Esteve lá sempre e continuará. Tem sido, afinal, fácil de o consolar por outras vias. Pelas vias que já usava também. Porque eu continuei aqui, como sempre, para ele.


Vai deixar saudade. Tanta. Sinto que já a tenho, nesse momento, em que amamentei o meu bebé pequenino, esta última vez. 


Mas sabia que tinha chegado a nossa hora. 


 

A nossa história chegou ao fim. Escrevo este último parágrafo no dia 8 de maio. Não me voltou a pedir mais vez nenhuma, depois daquela despedida. Em momento algum. As maminhas precisaram de alguma massagem e água quente num ou noutro dia, por alguma tensão, dor ou nódulo. Mas aos poucos, foram reconhecendo não haver mais estímulo. 


O nosso corpo é tão sábio. 


- "Ainda mama?"


Já não. Não mama. Mas fê-lo, até ao dia em que fez 18 meses. Contra desafios, comentários, criticas e julgamentos, que ao longo do tempo surgiram de várias frentes, embora muitas delas sem intenção de magoar. "Porque que não te tapas?", "Mas até quando vais dar de mamar?", "O teu leite já não deve ser suficiente", "Se deixares de dar maminha, vai dormir melhor", "Se já pode beber leite de pacote, porque continuas?", "Vais habituá-lo mal", "Mas já tem dentes, não morde?". Foram só alguns exemplos, na maioria dos quais, respondia confiante e sem criar espaço para qualquer tipo de debate, que iria amamentar e continuar a fazê-lo enquanto fizesse sentido para mim e para o M.. E ponto final.


A verdade é que deixou de fazer. Para mim, para nós. E assim, terminámos. Fica a experiência por que passei. Com uma empatia enorme por quem decide amamentar do seu peito, por quem precisa de alguém que diga: - "Confia, tu consegues". Por quem quer incentivo e apoio nessa jornada. Mas também uma grande empatia por quem decide não o fazer. Reconhecendo os desafios e as dificuldades inerentes em iniciar ou manter a amamentação exclusiva a médio ou longo prazo.


E fica aqui escrita a minha história. A nossa história.

 

 

Conversas de sesta 26/4/2024 e 08/05/2025


Nota: É tão grande o amor de uma mãe pel@ seu filh@, que decide dar exclusivamente leite do seu. Que decide dar de mamar E dar leite adaptado. Que decide dar apenas leite adaptado. É tão grande o amor de uma mãe pel@ seu filh@, que amamanta em exclusivo 3,4,6,,12,18 meses ou 2,3,4,5 anos,... As decisões de cada mulher são baseadas em tantos fatores diferentes e nós não conhecemos a história de cada uma. Fatores sociais, económicos, culturais, ambientais, emocionais, relacionais, físicos, psicológicos, para não falar de fatores associados à própria condição de saúde da mulher e do próprio bebé... são tantos. E uma mulher mãe só precisa de apoio. Informação, claro. Mas essencialmente apoio, seja qual for a sua decisão.

Nota 2: Se precisam ou procuram algum tipo de apoio, seja ele no início da amamentação em exclusivo (mas também na gestão de um aleitamento misto ou apenas adaptado, se for essa a vossa vontade), ou em qualquer desafio que surja ao longo do tempo do vosso caminho, seja ele numa fase em que é vossa intenção avançarem para um desmame que querem ser sereno e respeitador para vocês e para o vosso bebé, procurem uma IBCLC com que se identifiquem.


 
 
 

Komentāri


  • linkedin
  • instagram

©2020 por CróniCalinas. Por Wix.com

bottom of page