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O ciclo natural da mudança

  • Foto do escritor: Carolina Germana
    Carolina Germana
  • 28 de set. de 2021
  • 4 min de leitura

Vou de popa, afastando-me da ilha dourada. Admiro o entardecer sobre os nove quilómetros de areal e sigo viagem, deixando-a para trás. Estamos no final de setembro. Nem sei para onde voou agosto, quanto mais setembro. Onde estou e para onde vou? Não sei bem. Ando meia perdida em mim. Vim fazer uma espécie de detox para a ilha do Porto Santo. Só agora consegui quatro dias para parar, após um verão demasiado cheio. Quatro dias que foram efetivamente suficientes para descansar, embora não propriamente para desligar por completo. Deitei-me cedo, acordei o mais tarde que consegui, sem despertador, sem pressas, sem planos. Aproveitei ao segundo cada raio de sol, que esteve alegremente presente de início ao fim da estadia. Deixei-me ficar na água quente deste nosso mar turquesa, furando ondas ou olhando o céu. Senti o sal na pele e a areia fina nos pés. E tive a minha mãe comigo a só estar, como precisava dela. Existindo em harmonia comigo. E saio daqui mais leve. Devia ser uma recomendação médica fazer umas pausas neste paraíso, mínimo bianuais. Passei este verão sem ir ao mar ou à praia, depois de três anos a viver em Viana do Castelo, a dar mergulhos pós laborais e a beber uma cerveja ao pôr do sol na praia do Cabedelo. Esta mudança para a capital trouxe consigo todo o estilo de vida que eu queria evitar embarcar. Ocupação permanente do corpo e mente. Uma carga elevada de trabalho, inclusivé muitos fins-de-semana, uns atrás dos outros. Noites mal dormidas. Cansaço extremo. Programas sociais a mais. Família constantemente presente. Horas passadas no trânsito infernal. Má gestão de tempo. Pouco cuidado com o que como e com o exercício que faço. Caso dentro de pouco mais de duas semanas e se até agora fui a noiva calma, deixei de o ser. Os afazeres de última hora, imprevistos e, claro está, o facto de ser uma controladora nata um tanto ou quanto desorganizada, aliado a tudo o resto, levaram a um estado natural de ansiedade diária. Não me interpretem mal. Tenho trabalho, amigos incríveis e uma rede familiar do outro mundo. Vou casar brevemente com o homem que escolhi para me acompanhar nesta jornada e idealizei o meu casamento de sonho. Sou grata. Pelo trabalho que tenho, pelas pessoas que já conheci, pelo que me têm ensinado e por tudo o que tenho aprendido. Tem sido uma experiência definitivamente enriquecedora trabalhar num grande centro como é o Hospital de Santa Maria. Sou grata por estar perto de tantos dos meus amigos de quem tanto gosto e de quem estive longe durante a última década. Pelos que deixei no norte mas fizeram questão de estar presentes e de me organizar dois dos fins-de-semanas mais bonitos que já tive, enfiada numa bolha de carinho e amor sem igual. Sou grata por ter os meus avós comigo diariamente e ainda os ter a cuidarem de mim, no auge dos seus oitentas. Pela sopa ao chegar a casa, quando não tive tempo de preparar jantar. Pela escuta atenta da avó a querer saber do meu dia, pelo carinho do avô a querer saber do que mais preciso para me sentir bem. Por ter a minha mãe por perto e ir até casa dela atirar-me no sofá e comer a fruta que tem sempre na cesta e o gelado do congelador. Sou grata pelo meu irmão que abraço mais vezes e por estar mais depressa presente nas paragens rápidas da minha irmã. Sou grata por viver no campo e acordar com o som dos passarinhos e com vista para a vinha. Não me interpretem mal. Tenho tudo o que podia alguma vez desejar. Talvez por isso mesmo me sinta assoberbada. Talvez por isso mesmo ainda a adaptar-me a este rodopio. Pensei que seria mais fácil e mais rápido atingir o equilíbrio. Estou a aprender a lidar com tanto estímulo, pessoal e profissional. A dizer que não, a delegar tarefas, a deixar-me sentar no sofá sem pressas ou horas definidas para me levantar de novo. A melhor saber dividir o tempo que dedico ao trabalho, família, amigos e ao cuidado pessoal. A reaprender a encontrar os meus momentos para me sentar e refletir. Deixar-me escrever. Acredito que, como qualquer mudança, ela naturalmente encontre o seu caminho. Que eu encontre o meu caminho. Acredito que vá reaprender, a seu tempo, a percorrê-lo sem esta pressa que me assola, me perturba e me isola. Acredito que tudo faz parte do ciclo natural de qualquer mudança. Exigente. Mas necessária. E que se estivermos atentos aos nossos sinais, ao nosso sentir; se ouvirmos também os alertas dos que nos rodeiam e nos conhecem por vezes melhor que nós mesmos - possamos agir em conformidade. Parar. Descansar. Sentir o sol. Recomeçar. Estou a atracar na ilha da Madeira. Está uma noite quente e a baía do Funchal iluminada é sempre uma paisagem bonita de se ver. À minha frente o forte onde se irá realizar a festa do nosso casamento dentro de pouco tempo. Em cima do mar. As próximas semanas vão ser igualmente cheias. Não espero mudança imediata na forma de as viver, muito menos agora. Mas recuperei forças para as enfrentar e tentarei fazê-lo com mais cautela e menos exigência. Com mais atenção, mas menos pressa. E estou entusiasmada, curiosa e a sentir-me renovada. Para um novo ciclo que se iniciará em breve. E de ciclo em ciclo nos vamos movendo, aprendendo e crescendo. Numa infinita busca pelo melhor de nós.

 

CroniCalinas 28.09.2021

 
 
 

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