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Está na hora

  • Foto do escritor: Carolina Germana
    Carolina Germana
  • 11 de jun. de 2023
  • 4 min de leitura

Deito-me na espreguiçadeira no exterior do apartamento alugado para este fim-de-semana grande.  Vila Nova de Milfontes foi o sítio escolhido para esta escapadinha, embora não o tenhamos aproveitado como teríamos feito noutros tempos. Não só por esta nova vertente de sermos pais de um bebé, com toda a logística que férias com bebés significa (a quantidade de apetrechos esquecidos, improvisos e planos saídos ao lado), mas também porque tivemos o azar de ficar os dois doentes. O M. e eu.


Optámos por ficar por casa hoje, para deixá-lo descansar e recuperar. Não vamos ver o pôr do sol à beira mar nem jantar a uma marisqueira. Em vez disso, o sofá será a nossa mesa a dois


Fiquei a ouvir os pássaros a chilrear e o mocho a piar entre os arvoredos, olhando as cores de fim de dia refletidos na piscina. São neste momento oito da noite e já deitei o M..


Tenho a sorte de viver num sítio onde posso usufruir deste tipo de paz diariamente. Mas neste momento, já não o sinto como um lugar de conforto.


Regresso ao trabalho dentro de precisamente um mês. Na altura, fará um ano que fui para casa, resguardar-me no terceiro trimestre de gravidez, a que se seguiu o parto  e licença de maternidade e, mais tarde, decidi prolongá-la mais uns meses. Já estou, portanto, há muito tempo por casa e, para mim, começou a ser demais.


E, por isso, está na hora.


O meu lugar de conforto já não o é. Sinto necessidade de escapar-me, de fugir do sítio que é neste momento casa. E estou a precisar de senti-lo novamente como refúgio.


Estou a precisar de voltar ao trabalho. De ter uma rotina diferente da dos últimos meses. Mas estou também em pânico de voltar, por tudo o que implicará: menos tempo disponível para o meu filho, saber que passará mais tempo do seu dia com outras pessoas que não eu e que em muitos deles provavelmente só o vou ver a dormir, pelo cansaço extremo que sinto pelas horas de sono que não durmo há meses a fio e conciliar isso com um trabalho exigente, pelo receio de não conseguir estar realmente presente em nenhum dos lados - como mãe e como médica, receio de falhar - como mãe e como médica. Receio de não estar emocionalmente estável o suficiente para lidar com os cuidados intensivos pediátricos, estágio para onde vou recomeçar o meu internato, nos seis meses que me faltam para o terminar. 


Mas está na hora.


Se há uns meses certamente não estava preparada para deixar o meu filho e voltar ao trabalho, agora sinto que não só estou, como preciso. Ser médica, ser pediatra, faz parte de quem sou. Preenche-me e completa-me. E já começo a ficar impaciente e irritadiça por me estarem a falhar as outras partes de mim que ficaram em standby com a maternidade.


Voltava a tomar as decisões que me levaram a passar estes meses adicionais com o meu filho. Não há tempo que volte atrás para poder vivenciar tudo o que tive oportunidade de partilhar com ele nos seus primeiros meses de vida.


Custou-me aprender a ser mãe. Precisava deste tempo para assimilar este meu novo papel. Esperei tanto por este momento, sonhei tanto, idealizei tanto, que as dificuldades inerentes à maternidade aliadas às alterações hormonais e humorais infinitas de um pós parto e período de amamentação, juntamente com uma rede de apoio que, existindo, não foi exatamente como esperava, foram um desafio maior do que eu alguma vez imaginara.


Sinto que me entreguei por completo a esta aprendizagem que foi ir conhecendo o meu filho e vê-lo crescer e aprender. Que todas as minhas energias foram centradas em fazer com que todos os seus dias fossem o melhor que sabia e podia proporcionar. Que todo o meu amor e atenção foram canalizados para ele. E, para mim, não poderia ter sido de outra forma.


Mas está na hora.


Já aprendi que não há amor maior. Que ele será sempre a minha prioridade. Que a vida mudou para sempre com a sua chegada. Que precisamos, enquanto família, de ter um jogo de cintura grande para nos irmos ajustando às alterações de rotina necessárias a cada etapa, cada fase de desenvolvimento e crescimento do nosso bebé para que ele cresça tranquilo e feliz no nosso seio.


Mas quero agora aprender a ser mãe e não só. Que este meu papel  se junte de mãos dadas a todos os outros que assumo na minha vida, sabendo que haverá alturas em que tenho de dedicar mais ou menos tempo e energia a alguns deles em detrimento da minha prioridade número um, que será sempre este trio que criei e fiz nascer para chamar de minha família. 


Está na hora.


De me ir preparando emocionalmente para o desapego, para este desmame do tempo. Do tempo que tivemos a dois e que não vamos ter mais. Não da mesma forma.


Foram nove meses de gravidez e serão quase nove meses passados diariamente com o meu bebé. Um tempo que não volta atrás nunca mais. Um tempo que ganhei, que fiz render, que me fez crescer. Tanto. Um tempo que vivi sem pressas, observando conquistas diárias e absorvendo este amor crescente, um dia de cada vez. Um tempo que investi para viver estes momentos, sem um pingo de arrependimento.


Esse mesmo tempo que, apesar de ter corrido à velocidade da luz, foi o mais recheado, mais intenso, mais vivido, mais extraordinariamente magico da minha vida.


Mas está na hora, meu filho.


Serei sempre tua e sempre teu colo. Serás sempre prioridade e o centro da minha atenção. Mas esta tua mãe tem também muitos outros projetos e ambições que precisam de ser alimentados e que fazem de mim quem sou e que quero que vejas ser, ao crescer.


Temos mais um mês, filho. Um último em que estarei inteiramente dedicada a ti, mas reaprendendo a cuidar de mim para me sentir capaz de abarcar todos os meus sonhos com a serenidade e equilíbrio necessários para o meu, o nosso bem estar. E só posso esperar que seja capaz de o fazer para que um dia te possa servir de exemplo e inspiração.


Está na hora, meu bebé.

 

Conversas de sesta

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