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Ajuda a ajudar: no teu círculo

  • Foto do escritor: Carolina Germana
    Carolina Germana
  • 21 de jan. de 2021
  • 5 min de leitura


Hoje finalmente parei.


Comecei este diário da pandemia com esta frase, depois de quinze dias no caos que se viveu no passado março de 2020. Hoje escrevo esta pequena frase de novo, porque de novo se viveu o caos nos primeiros quinze dias do ano.


Entre começar a trabalhar num novo Hospital no Porto e manter-me a fazer uma urgência semanal no meu de origem em Viana do Castelo, ando a fazer quilómetros de estrada diárias de madrugada e ao final do dia. A minha companhia de viagem alterna entre a estação de rádio da M80 ou um podcast no Spotify e os horários de trabalho não me permitem ver os pores-do-sol que queria da minha janela.


Entre algumas mudanças, adaptação a esta nova rotina, assistir de longe a familiares doentes, Covid e não Covid, novas reestruturações nos locais de trabalho, conflitos laborais, lutas por direitos e por respeito, urgências com cada vez com maior afluência de casos Covid-19 positivos, o tempo para sentar-me no sofá e dar-me tempo para deixar no papel aquilo que sinto foi praticamente zero.


Esta primeira quinzena ficou marcada pelo aumento de casos de Covid-19, que disparou para os mais de 10.000 diários e assim se mantém há dias e dias; pelo consequente aumento da afluência aos serviços de urgência e ao número de internados que fez os Hospitais entrar em rotura; pelo novo confinamento que o país foi obrigado a entrar; e pelo início da vacinação contra a Covid-19, sem que a sua organização e distribuição tenha sido bem definida ou as prioridades bem estabelecidas.


Esta primeira quinzena de 2021 veio só relembrar que o mundo nos troca as voltas quando bem entender, especialmente se continuarmos a depositar toda a nossa confiança numa mera crença e esperança de melhoria do panorama ou na recusa em aceitar que tudo isto é real, não nos fazendo acompanhar das ações necessárias para acabar com esta tempestade.


A área pediátrica esteve longe dos grandes volumes de doentes Covid-19 positivos e a doença grave em idade pediátrica mantém-se, à data de hoje, pouco prevalente. Esta é naturalmente uma mais valia para nós, pediatras, que os assistimos diariamente. No entanto, esta primeira quinzena foi também de uma grande cambalhota na afluência à urgência pediátrica que passou a ter os seus doentes maioritariamente triados para a área Covid por sintomas respiratórios, febre ou história de contacto com doentes Covid-19 positivo em contexto familiar ou escolar, acompanhados dos seus pais, muitas vezes também eles positivos.


A verdade é que os casos de Covid-19 mais que triplicaram desde o dia 24 de dezembro. As ambulâncias esperam em filas intermináveis às portas das urgências hospitalares, com os profissionais a se deslocarem a elas para observarem doentes que não cabem nos corredores. Por todo o país se relatam histórias do autêntico caos em cenário de guerra que se vive. Todos nós conhecemos alguém infetado pelo vírus, quer a nível familiar, quer a nível laboral, tornando-se o problema cada vez mais real e menos numérico, com o medo a fazer-se sentir de novo, perante o óbvio.


Num volume como o que temos hoje, é simplesmente impossível garantir o cuidado de todos, muito menos o tratamento atento e de qualidade a todos. O aumento absurdo dos números de infeção por Covid faz aumentar os números brutos de doentes graves e com necessidade de internamento, que fazem esgotar recursos materiais e humanos, ocupam vagas difíceis de ceder pela necessidade de isolamento e grande demora na cura, ficando também os doentes não Covid por tratar e diagnosticar.


É certo que estamos todos cansados, fartos, exaustos. Estamos todos a desejar que tudo isto mude, passe, que nos voltemos a abraçar com sorrisos e a rodopiar alegres nas pistas de dança. Que se passeie, que se viaje sem medo, que se explore sem receio. Mas não podemos agora vacilar. Como sociedade, temos de nos ajudar uns aos outros e neste momento, a forma mais simples de o fazer é com a evicção total de contactos. Ficar em casa, sempre que possível. Restringir os convívios a quem connosco partilha as quatro paredes e reforçar as medidas preventivas quando houver convívio necessário, com o uso obrigatório da máscara em todas as situações e circunstâncias. Só contendo e travando a pandemia, só achatando novamente a curva, iremos conseguir recuperar também a componente económica, política, educacional e psicossocial que se afunda a pico a cada dia que passa com o prolongar deste caos.


Ontem acabei o meu turno de urgência a ouvir o Dr. Gustavo Carona no direto “Como é que o bicho mexe?” do Bruno Nogueira, ao som da primeira chuva do ano a bater nos contentores do gabinete médico, já na fase de rescalde do dia. Colei no ecrã a ouvir o depoimento deste médico intensivista, que sigo desde a era pré-pandémica na leitura das suas crónicas, e que como fantástico orador que também é, consegue captar a atenção de entendidos e leigos e deixar a todos uma mensagem clara, óbvia e realista do que se passa nos cuidados de saúde atualmente, que recomendo a todos ouvir. A mensagem final foi aparentemente óbvia: para ajudar a ajudar, comecemos por chegar onde podemos - ao nosso círculo de pessoas. A quem nos ouve.


Regresso a casa. Tiro finalmente a máscara P2 que esteve colada a mim durante as dezasseis longas horas de trabalho e inspiro o ar fresco, deixando-me ficar ali uns segundos com as gotas de chuva a me caírem na face, como que se lavando a alma e trazendo a calma, refletindo no que tinha acabado de ouvir.


Hoje foi novo dia. Hoje levei a minha primeira dose da vacina contra o vírus que assolou o mundo, ficando mais perto da imunidade necessária para que possa continuar todos os dias na minha tarefa e missão que escolhi que é tratar de quem está doente, de cuidar de quem é indefeso e de garantir que cá está amanhã. para dar continuidade à vida.


Hoje foi novo dia e comunico aqui ao meu círculo: é a reta final, mas não é hoje que nos livramos da pandemia. Mantém-se a roleta russa e está a disparar mais rápida que nunca. Façamos as pazes com o sofá, voltemos a fazer as pipocas, ver filmes na Netflix e abrir uma garrafa de vinho. Aquecer com o movimento ao som; cantar no karaoke. Que se voltem a criar desafios como distração e entretenimento. Se aprenda a fazer o pino ou novas receitas na cozinha. Que se volte e continue a abusar das redes sociais e dos zooms para o convívio digital com os amigos. Reinventemo-nos novamente para nos protegermos a todos.


Esta é a minha mensagem. Este é o meu círculo. Ajuda a ajudar no teu.

 

Diário de uma pandemia. 20.1.2021

 
 
 

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